Vida Eterna e Santidade – mitologia ultrapassada?
Todos os cristãos, estejam onde estiverem, de todas as idades, raças e nações são chamados à santidade, um chamado maior e universal. Sejam eles clérigos, religiosos, casados, solteiros, homens, mulheres, crianças ou adultos, todos são igualmente chamados à santidade, cada qual, de acordo com seu estado de vida. Todos aqueles que no batismo se tornaram filhos de Deus e participantes da natureza divina, são destinados à santidade que receberam na graça, devendo conservá-la e aperfeiçoá-la.
Já podemos encontrar este apelo no livro do Levítico, que diz: “Sede santos porque Eu sou santo” (Lev 11,44). Jesus Cristo, mestre e modelo de perfeição, sempre pregou a santidade de vida da qual Ele é autor e consumador: “Sede perfeitos, como é perfeito vosso Pai celeste” (Mt 5,48). “À exemplo da santidade daquele que vos chamou, sede também vós santos em todas as vossas ações”, dizia São Pedro (I Pe 1,15).
João Paulo II dizia que “a vocação do cristão é a santidade, em todo momento da vida. Na primavera da juventude, na plenitude do verão da idade madura, e depois também no outono e no inverno da velhice, e por último, na hora da morte”.
A santidade, portanto, não é algo distante de nós. Ela não é de forma alguma algo que exige grandes feitos e grandes dons, tal como fazer um paralítico andar, ressuscitar um morto ou curar um doente. A santidade está ao alcance de todo aquele que despoja seu coração para Jesus e deixa o Espírito Santo trabalhar nele.
O Vaticano II exorta toda a Igreja a viver a santidade pregada por Cristo, no amor incondicional a Deus e ao próximo, na caridade e fraternidade, na prática constante da oração e no exercício das virtudes cristãs (LG 40).
A gente pode se perguntar: Será que o homem moderno ainda espera pela vida eterna? Será que não a considera uma mitologia já ultrapassada? Será que ele deseja a santidade como um valor primordial? Mais do que no passado, hoje, torna-se difícil por vezes pensar em Deus como protagonista da história e da nossa própria vida. A Igreja necessita de santos, de muitos santos. Todos somos chamados à santidade, e só os santos podem renovar a humanidade e a santidade é o desejo maior que uma criatura pode possuir.
Para nós, cristãos, vida eterna não indica só uma vida que dura para sempre, mas sim uma nova qualidade de existência, plenamente imersa no amor de Deus, que nos livra do mal e da morte e nos põe em comunhão sem fim com todos os irmãos e irmãs que participam do mesmo amor.
Para ser santo, diz Bento XVI, “não é preciso realizar obras extraordinárias, nem possuir carismas excepcionais. Basta simplesmente “servir” Jesus, escutá-Lo, segui-Lo sem esmorecer perante as dificuldades. A santidade exige um esforço constante, mas é possível a todos porque, mais do que obra do homem, é sobretudo dom de Deus, três vezes Santo… Quanto mais imitamos Jesus e Lhe permanecermos unidos, mais entramos no mistério da santidade divina. Descobrimos que somos amados por Ele de modo infinito e isto nos leva… a amar os irmãos”.
O mesmo Papa Bento XVI, na Jornada Mundial da Juventude, na Espanha, apresentou dez conselhos para os jovens serem santos, mas, vale para todos, vejamos:
1. Conversar com Deus;
2. Contar-lhe as penas e alegrias;
3. Não desconfiar de Cristo;
4. Estar alegres: querer ser santos;
5. Deus: tema de conversa com os amigos;
6. No Domingo, ir à Missa;
7. Demonstrar que Deus não é triste;
8. Conhecer a fé;
9. Ajudar: ser útil;
10. Ler a Bíblia.
O estilo de santidade do cristão de hoje vai além de uma perfeição que se busca individualmente e se traduz com frequência do seguinte modo: queremos nos santificar juntos, desejamos uma santidade coletiva. Desse modo, vão se formando aqui e acolá grupos de cristãos empenhados, que se encaminham unidos para Deus. É o melhor caminho: santificar-se juntos, em comunhão e em união com a Igreja em suas necessidades. Assim, a santidade é um valor que está ao alcance de todas as pessoas, uma vida santa não é primariamente o resultado dos nossos esforços, das nossas ações, porque é Deus, três vezes Santo (cf. Is 6, 3), que nos torna santos, e a ação do Espírito Santo, que nos anima a partir do nosso inteiro, é a própria vida de Cristo Ressuscitado, que se comunicou a nós e que nos transforma.
Santo Agostinho, dizia: “Ama e faze o que quiseres”. E continua: “Se calares, calarás com amor; se gritares, gritarás com amor; se corrigires, corrigirás com amor; se perdoares, perdoarás com amor. Se tiveres o amor enraizado em ti, nenhuma coisa senão o amor serão os teus frutos” (7,8: PL 35). Quem se deixa conduzir pelo amor, quem vive a caridade plenamente é guiado por Deus, porque Deus é amor. “Ama e faz o que quiseres”.
Na comunhão com os santos canonizados e não canonizados, que a Igreja vive em Cristo em todos os seus membros, podemos desfrutar da sua presença e da sua companhia, e cultivamos a firme esperança de poder imitar o seu caminho e compartilhar, um dia, com eles, a mesma vida feliz, a vida eterna.
Por Dom Irineu Roque Scherer