Delicados fundamentos de uma sólida instituição
Ao folhear alguns livros de história, desperta a atenção ver as diversas civilizações da antiguidade, retratando características de um mundo que não existe mais. Encanta sobretudo aquele cenário, um tanto misterioso e inusitado, formado por velhas construções de pedra, firmes e vigorosamente fincadas parecendo querer conquistar, daquele gasto solo, a perpetuidade que o tempo já lhes roubou. Sejam areópagos, templos, anfiteatros, elas aparentam estabilidade, resistência e segurança, pela robustez das colunas que lhe servem como sustentáculo.
Em verdade, na ereção de qualquer grande obra, os arquitetos e engenheiros se detêm em muitas preocupações: a divisão correta dos cômodos, o bom aproveitamento do espaço, a pintura a ser utilizada nas paredes, os adornos variados para seu embelezamento interno e externo, etc. Nada, entretanto, parece ser motivo de maior consideração e cautela quanto a edificação dos fundamentos. São eles de tal maneira responsáveis pelo equilíbrio, força e solidez de qualquer edifício, que o próprio Salvador compara o homem virtuoso com aquele que “edificando uma casa, cavou bem fundo e pôs os alicerces sobre a rocha. Vieram as águas, precipitaram-se as torrentes contra aquela casa e não a puderam abalar, porque ela estava bem construída.” (Lc 6, 48-49 ).
A família, fundamento da sociedade
Ora, o que se passa nas coisas materiais e visíveis tem, muitas vezes, uma íntima semelhança com as realidades sobrenaturais. A sociedade humana pode ser comparada a uma imensa cidade composta de edifícios, que tem como fundamento uma importantíssima instituição: a família. Ela é a matriz e o modelo por onde cada homem aprende a relacionar-se com os demais. “É a primeira escola das virtudes sociais de que as sociedades têm necessidade”[1]. Por esse motivo, sem ela tudo rui ou desmorona, porque carece do seu elemento essencial.
O que seriam das relações de amizade, de trabalho ou cooperativa, de parceria, de troca, compra ou venda, e de tantas outras, se o seio das famílias estivesse conspurcado pelo ateísmo ou irreligião? E como exigir de um homem honestidade, respeito às leis, caridade fraterna, a tão almejada solidariedade, se quando criança ele não pôde encontrar na conduta diária de seus pais estes indispensáveis valores?
Engana-se aquele que, analisando superficialmente os problemas atuais, resolve culpar somente este ou aquele sistema político adotado, ou a precariedade de recursos financeiros, a pouca escolaridade e formação cultural, a falta de alerta para as consequências de crimes hediondos ou para o destino lastimável dos dependentes químicos. Tudo isto, sem dúvida, tem peso e medida. Entretanto, o problema é mais profundo.
Na vida dos pais, a criança lê as regras de sua existência
Evidentemente, não se trata de negar a responsabilidade particular de cada indivíduo, uma vez que a lei moral foi impressa na consciência de todos (Jr 31,33-35); mas, isto sim, de reconhecer a relevância do exemplo dado pelos pais na formação do homem comum. “A família cristã, de fato, é a primeira comunidade chamada a anunciar o Evangelho à pessoa humana em crescimento e a levá-la, através de uma catequese e educação progressiva, à plenitude da maturidade humana e cristã.”[2] Uma boa formação será indício certo da perpetuidade da convivência social, ao passo que sua ausência será a causa, ou ao menos a prodigiosa cooperação, rumo aos piores e insanáveis desvios.
Está também claro que o pai e a mãe não necessitam dar ao filho um elenco das leis e deveres de como se vive em sociedade. Uma orientação meramente acadêmica ilustra a inteligência, mas raramente move a vontade. Necessário é que eles sejam para o filho arquétipos das normas morais que ensinam. Este é o locus onde aprenderão as regras do bem julgar, do ser e do agir[3], pois “os filhos prestarão sempre muito mais atenção às ações dos pais do que às suas palavras; aquelas tem uma linguagem própria, mais eloquente do que a dos lábios.[4]“
É no trato cheio de afeto e respeito do dia a dia que os filhos aprendem. É por exemplo, quando a mãe, cansada dos labores domésticos, vê-se obrigada a acordar de madrugada para ministrar algumas gotas de remédio, manifestando-se serena, disposta ao mais exaustivo sacrifício, desdobrando-se em carinho, que o filho aprende as regras da boa convivência, do bom trato e da compaixão aos necessitados. É ao notar o seu empenho passando a ferro uma muda de roupa, ou sua persistência ao querer retirar uma mancha na camisa, que o filho aprende a dedicação para o trabalho e a dignidade de uma vida limpa e pura. É no final da tarde, quando vê o pai sério e honrado chegar do trabalho, e sente em si o desejo de imitá-lo no traçado do caminho honesto e veraz. É na repreensão que sofre, severa mas purgativa, feita com paciência e sem ânimo alterado, que ele aprende a odiar o mal e a apegar-se ao que é direito. É especialmente, quando os vê de rosário nas mãos, a suplicar as graças e os auxílios celestes, que compreende sua própria fragilidade e entende depender inteiramente de Deus.
Por isso, não é sem profunda veracidade que São João Crisóstomo afirmou: “As obras dos pais são os livros em que os filhos se instruem.”[5] Princípio de ouro para aqueles remotos tempos, e princípio de ouro para o momento presente. Almejemos, princípio que brilhará, quiçá, nos tempos vindouros, quando surgirem homens sábios que entenderão[6] que nas frágeis páginas destes livros costuma estar contido um autêntico e vivo tratado de moral.
Fortes e delicados fundamentos
A família estruturada e em ordem é aquela que tem como fundamentos as virtudes da admiração, da ternura e do enlevo. Fundamentos estes ao mesmo tempo fortes e extremamente frágeis. Fortes pela graça, que os sustenta e dá coesão. Delicados, pois estas excelsas virtudes requintam-se a cada momento, à semelhança de uma fina taça de cristal que tanto é considerada mais nobre e valiosa quanto mais frágil e delicada se configura.
Por Ítalo Santana Nascimento (publicado originalmente no site Gaudium Press)